sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Movimento negro e movimento de mulheres negras: cronologia contra a violência intercorrente da discriminação racial.

Gislane Sivirino da Rocha.

Resumo
Embora as mulheres encontrassem muitos empecilhos para ocupar posição de dirigente nas organizações políticas outrora, sempre estiveram presentes e atuantes nos movimentos negros, inclusive no período contemporâneo, apesar de sua participação muitas das vezes se restringir a bastidores. Várias foram as lutas dos negros durante o século inerente a sua liberdade, autonomia, dignidade, etc, todavia ainda mesmo que paulatinamente mudanças vem ocorrendo no campo das discriminações e desigualdades raciais, uma vez que  o ideal coletivo do movimento negro vigente busca através de suas reivindicações a não discriminação dos negros em instituições, seja pública ou privada, no mercado de trabalho, na educação e saúde, e que diretamente colabora para descaracterização das demais desigualdades ao reivindicarem direitos universais e igualitários, existentes principalmente na Constituição Federal.

A formação do moderno movimento negro no Brasil: do início do século XX ao Estado Novo
A concepção moderna do movimento negro emergiu no início do século XX, com os primeiros protestos contra o preconceito de cor nos jornais. As associações neste período buscavam aos poucos assumirem objetivos políticos em favor da integração do negro na sociedade de classes.

Aos o fim da escravidão no Brasil, o primeiro período republicano foi marcado pelo preconceito racial, principalmente no mercado de trabalho, nos clubes bailes festas, dentre outros espaços. Tal fator impulsionou os negros a assumirem espaços próprios, com criação de áreas de lazer onde pudessem evitar constrangimento de cunho racial.

As consideradas elites negras exerciam profissões liberais e se diferenciavam dos demais negros pelo nível educacional, o que levavam estes primeiros a assumirem posições de direção na Frente Negra Brasileira (Constituída na cidade de São Paulo como pólo propagador da política antirracista), que era mantida por recursos próprios advindos das mensalidades e trabalhos voluntários. Todavia a maior parte de seus integrantes tinham posições subalternas, constituídas de trabalhadores manuais e empregadas domésticas.

Não muito obstante os movimentos negros assim como os demais, estão intimamente ligados a períodos democráticos conforme observado pelo cientista George Andrews (1991). Desta forma os movimentos negros modernizavam os valores da sociedade, uma vez que aspiravam transformações democráticas à mesma.

A formação do moderno movimento negro no Brasil: Pós-Estado Novo
Emergem no pós Estado Novo, novas formas de mobilização no Brasil, com o movimento negro se organizando publicamente em um momento em que vários setores do mundo lutavam em prol do antirracismo, repudiando as experiências negativas do Nazismo e Fascismo.

A cientista social Joselina Silva, numa investigação no pós Estado Novo sobre a mobilização antirracista, desvendou uma rede social de caráter político bastante intensa e ampla no solo brasileiro intitulado UAGAGÊ ou UHC, uma rede de ativistas da região Sul que se estendia por vários estados e municípios. Porém do mesmo modo em que a FNB foi desarticulada, assim com o regime político da Ditadura Militar as lideranças deste movimento foram se exilando, voltando a ter visibilidade pública no contexto de efervescência civil pela democratização do país.

Após influência pela libertação dos países africanos e direitos civis, o movimento negro construiu uma identidade coletiva embalada pela Soul Music (música da alma), passando a usarem para encenarem nas ruas um novo visual cada vez mais colorido. Na cabeça era estilizada a moda Black Power (poder negro), sendo para tanto dispensadas as pastas para alisamento de cabelo e perucas. As mulheres negras dispensavam maquiagem para clarear a pele, dando lugar às cores mais escuras, como os batons vermelhos. Nascia assim uma nova performance estético-política impressa nos corpos dos mesmos.

Do mais recente ciclo de mobilização negra que se gestou na década de 1970, resplandece impactos que se fazem legítimos até dias atuais, com maiores buscas de fortalecimento, e para tanto houve a junção de outras alianças como o movimento feminista juntamente com o movimento de bases identitárias, particularmente pelas mulheres negras que se tornaram figuras centrais para circulação de idéias políticas na luta contra o racismo e sexismo.

Mulheres negras em movimento: intelectuais, organizações e projetos políticos
Embora as mulheres encontrassem muitos empecilhos para ocupar posição de dirigente nas organizações políticas, sempre estiveram presentes e atuantes nos movimentos negros, inclusive no período contemporâneo. Ainda que a presença das mulheres no cenário dos movimentos fosse significativa, muitas vezes se restringia a bastidores. Todavia esta realidade teve uma modificação considerável quando as mulheres negras romperam com a lógica desigual e começaram a enfrentar a dominação masculina de outras formas. Esta extrusão se deu nos anos de 1980 de forma singular com a construção de associações políticas próprias.

Tanto o racismo quanto o patriarcalismo para as mulheres negras operavam de forma a perpetuar sua subordinação e hierarquia social. O movimento negro persistia em posições machistas levando as mulheres à invisibilidade, no entanto canalizava a voz das mulheres que se opunham a visão dominante feministas, ou seja, contra as tidas como patroas que reproduziam comportamento de prática racista estruturante de seu processo de socialização.

Organizações de mulheres negras: suas demandas, seus projetos
O enfrentamento da militância negra junto ao Conselho da Condição feminina foi um divisor de águas para articulação das mulheres negras, seja para fortalecimento dos já existentes, ou para promover o surgimento de outras redes de articulação. Sobre esta ótica foi realizado o I Encontro Estadual de Mulheres Negras em São Paulo (1984), com intuito de se construir uma identidade coletiva própria e traçar estratégias para ação em favor das demandas deste grupo.

Quatro anos depois houve o I Encontro Nacional de Mulheres negras, em nível amplo e fortalecendo a construção de coletivos a outras regiões, assim na década de 1980 foram criados coletivos no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, etc. Os movimentos de mulheres denunciaram métodos de esterilização por meio de campanhas nacionais, exigindo o direito pleno a fecundidade e à vida, reivindicavam os direitos sociais básicos garantidos pela Constituição e ainda o direito de gerência do corpo, ou seja, a busca de autonomia do ser.

A importância do movimento das mulheres se fez relevante para a criação de políticas voltadas a mulheres do mundo inteiro, como a conferência de Bejin na China, a qual teve significativa participação de mulheres negras configurando em normatização de documentos oficiais que foram de valia para diversos países. Também a III Conferência Mundial contra o racismo, que aconteceu na África do Sul é outra marca do protagonismo das mulheres negras, que se fizeram representar também em grande número. No Brasil reflexos propositaram ações para enfrentamento de múltiplas formas de discriminação, principalmente gênero, raça, etnia, etc.

A construção de agenda antirracista do movimento negro contemporâneo
O ativismo negro com a visão de cidadania foi estabelecendo estratégias de ampliação de espaços, tanto na arena civil como na esfera estatal. As secretarias e os conselhos tornaram-se espaços estatais de absorção das lideranças negras favorecendo a formação de uma militância profissional com experiência em gestão pública e sabedora dos arranjos burocráticos do Estado.

Ao tornar a data de 13 de maio um dia de denúncia e da discriminação racial, o movimento negro tentava no dia 20 de novembro (data da morte de Zumbi dos Palmares) edificar sua bandeira, data que era vista como oportuna para restituir aos negros autonomia política e autodeterminação enquanto sujeitos políticos. Com o passar do tempo aos poucos a data do dia 20 de novembro foi tornando-se Dia Nacional da Consciência Negra. Tal proposta teve iniciativa do Grupo Palmares do Rio Grande do Sul abarracado pelo Movimento Negro Unificado, e logo difundido por toda militância negra do Brasil.

O movimento negro e a Constituição Cidadã: das leis à implementação dos direitos
Durante os anos 90 houve um deslocamento da postura do movimento negro perante a sociedade e o Estado, passando por um processo de institucionalização de suas práticas sociais, tornando-se sociedades civis. Os projetos sociais são clarificação de experiência gestora que passam a fazer parte destas associações, onde o caráter gerencial predomina sendo custeadas por recursos públicos e privados como as fundações, agências multilaterais e empresas nacionais e internacionais, destacando-se entre as áreas de atuação a saúde, educação e assessoria jurídica.

Após a consignação do Estado Democrático de Direito no Brasil, o movimento negro passa então para a disputa dos conceitos fundamentais de democracia, buscando a universalidade, liberdade e igualdade, participação e representação política que é parte dos preceitos Constitucionais, acontecendo esta luta cada vez mais nos espaços institucionais.

O PNDHI (Programa Nacional de Direitos Humanos), proposto em 1996,(governo de Fernando Henrique Cardoso) alavancou a referência normativa para o enfrentamento à desigualdade racial, uma vez que a partir deste foram acrescentados os quesitos cor em todos os sistemas de informações, nos registro e bancos de dados públicos, entre outras conquistas estão a criação de conselhos; estimulo a presença de grupos étnicos que compõem a população brasileira; mudança nos livros didáticos,  etc.

O movimento negro atua ainda no tema agrário buscando o reconhecimento à demarcação de terras quilombolas. A cada dia o movimento torna-se mais incisivo na proposta de garantia racial, não aceitando nenhuma ação que possa discriminar as pessoas, no entanto após um século de luta e mobilização, o movimento negro contemporâneo ainda passa por um processo de ampliação das reivindicações não deixando para trás o pluralismo preexistente em nossa sociedade.

Referências
Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. Vitória: Mod 3, Políticas Públicas e Raça. Unid. IV Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras: uma Agenda Contra o Racismo. A formação do moderno movimento negro no Brasil: do início do século XX ao Estado Novo, 2011. Disponível em: http://www.gppgr.neaad.ufes.br/file.php/113/Modulo3/mod3_unid4.html. Acesso em 21/11/2011.

Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. Vitória: Mod 3, Políticas Públicas e Raça. Unid. IV Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras: uma Agenda Contra o Racismo. A formação do moderno movimento negro no Brasil: Pós-Estado Novo, 2011. Disponível em: http://www.gppgr.neaad.ufes.br/file.php/113/Modulo3/mod3_unid4.html. Acesso em 21/11/2011.

Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. Vitória: Mod 3, Políticas Públicas e Raça. Unid. IV Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras: uma Agenda Contra o Racismo. Mulheres negras em movimento: intelectuais, organizações e projetos políticos, 2011. Disponível em: http://www.gppgr.neaad.ufes.br/file.php/113/Modulo3/mod3_unid4.html. Acesso em 21/11/2011.

Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. Vitória: Mod 3, Políticas Públicas e Raça. Unid. IV Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras: uma Agenda Contra o Racismo. Organizações de mulheres negras: suas demandas, seus projetos, 2011. Disponível em: http://www.gppgr.neaad.ufes.br/file.php/113/Modulo3/mod3_unid4.html. Acesso em 21/11/2011.

Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. Vitória: Mod 3, Políticas Públicas e Raça. Unid. IV Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras: uma Agenda Contra o Racismo. A construção de agenda antirracista do movimento negro contemporâneo, 2011. Disponível em: http://www.gppgr.neaad.ufes.br/file.php/113/Modulo3/mod3_unid4.html. Acesso em 21/11/2011.
Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça. Vitória: Mod 3, Políticas Públicas e Raça. Unid. IV Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras: uma Agenda Contra o Racismo. O movimento negro e a Constituição Cidadã: das leis à implementação dos direitos, 2011. Disponível em: http://www.gppgr.neaad.ufes.br/file.php/113/Modulo3/mod3_unid4.html. Acesso em 21/11/2011.